Saturday, March 19, 2011

Small Faces - Ogdens' Nut Gone Flake [1968]




A psicodelia inglesa veio um pouquinho depois da americana, e foi certamente influenciada por ela, na segunda metade dos anos 60. Fato é que, por volta do ano de 1967 foi o ápice da psicodelia na Inglaterra com o lançamento de discos como o clássico Pet Sounds (1966) do The Beach Boys, o eleito por muito como o melhor disco de todos os tempos Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967) dos The Beatles, o controverso Their Satanic Majesties Request (1967) dos Rolling Stones, o album de estréia do Pink Floyd, The Piper at the Gates of Dawn (1967), do blues psicodélico do Cream em Disraeli Gears (1966), só para citar alguns…


O Small Faces também já tinha feito um álbum que marcou a transição do rhythm’n blues para o psicodelismo em Small Faces de 1967, mas foi em Ogdens’ Nut Gone Flake que a coisa pegou (o termo Ogdens’ também é grafado como Ogden’s em diferentes edições do álbum). Cabe aqui um comentário sobre o nome da banda. Em discos, singles e sites diversos encontramos o nome da banda como The Small Faces ou só Small Faces. Sinceramente até hoje não consegui definir o correto e vou usar o nome sem o "The".

Contando com Ronnie Lane (baixo e voz), Steve Marriot (guitarra e voz principal), Kenny Jones (bateria) e Ian McLagan (teclados e voz) o Small Faces gravou um álbum que será lembrado eternamente. Na época eles tinham assinado a pouco tempo com o selo do empresário dos Stones, Andrew Oldham, a Immediate, e foram incentivados por ele a aumentar a abrangência de seu som e desenvolver as idéias que tinham.

Capa de uma coletânea da banda à frente de um simbolo da cultura mod,
que também chegou a ser utilizado pelo The Who em Quadrophenia

A intenção de fazer um álbum conceitual veio durante um passeio de barco pelo Rio Tâmisa sob a influência de diversos tipos de psicotrópicos. Porém na época, The Who, The Pretty Things e The Beatles entre outros tinham lançado ou estavam na iminência de lançar seus próprios discos conceituais. Como nenhum dos componentes foi estudante de artes, como eram os componentes dos grupos citados, essa história de ter de imaginar um conceito e desenvolvê-lo não seria fácil, mesmo sendo estimulados por substâncias químicas. Então a solução foi fazer um disco meio conceitual, meio com músicas independentes.

O álbum abre com a instumental “Ogdens’ Nut Gone Flake”, que mostra bem o que será o álbum, principalmente na segunda parte do mesmo. É construída através de um teclado com efeitos de wha-wha tocado por Marriot acompanhado de um piano tocado por McLagan. Na sequència vem a sensacional "Afterglow” (também chamada de “Afterglow (Of Your Love)”), que apesar de ser rotulada por Steve Marriot com “apenas uma canção boba de amor” é considerada por muitos o melhor trabalho de dele nos vocais, ou “uma resposta insolente à Otis Redding”, como disse Mick Farren.

Com acordes simples acompanhados de palmas inicia a calma “Long Agos and Worlds Apart”, que não se não é um dos destaques ao menos faz uma boa transição. Entre “Afterglow” e a excelente “Rene” cheia de bons backing vocals. Fala de uma “mulher da vida” que um dia ensinou algumas coisas para Marriot. É o tipo de música que pode se arrastar por muito tempo ao vivo com um final propício para diversas improvisações. Na sequência vem “Song of a Baker” com guitarras distorcidas, bateria se destacando e novamente um ótimo trabalho de voz de Marriot.

Lazy Sunday”, foi o primeiro single, falava de alguns vizinhos de Steve, mas a maior curiosidade dela é que ele canta a música no que ele mesmo diz ser a canção que mais parece sua voz natural, exceto que o sotaque cockney foi um pouco exagerado propositalmente devido ao teor da letra. A intenção de se cantar assim foi de tentar ficar o mais diferente possível dos cantores pop americanos. A música se parece muito com as canções infantis exceto pelo solo de mellotron.

Ao longo do lado B do LP, a narração da história ficou a cargo de Stanley Unwin, que era um comediante e um editor de livros inglês. Unwin foi o responsável pelo lançamento de um dos maiores clássicos literários do século 20, O Senhor dos Anéis. Ele pagou o filho de dez anos para ler o texto que Tolkien tinha mandado para publicação e, após um relatório positivo, publicou o livro. A seguir tem um vídeo com apenas a narração completa que aparece no álbum, sem as músicas.

       

O conceito do (meio) álbum surgiu a partir de Ronnie Lane que olhando para a lua, provavelmente no período crescente ou minguante, ficou perguntando-se onde estava escondida a outra metade. Assim nasceu a história do personagem Happiness Stan que procura pela outra metade da lua em uma alegoria à vontade que todos temos de completar nossas vidas cheias de frustrações, preocupações, etc. Happiness Stan apaixona-se pela lua e de repente alguém some com a metade dela ou ela é comida pelo tempo. Porém de uma hora para outra a metade aparece de novo, como se ela tivesse vida. O nome Stan veio do nome do pai e do irmão mais velho de Ronnie.

Logo no início e após a introdução de Stanley Unwin já podemos perceber que teremos uma história a ser contada com a melodia parecida com as de desenhos animados antigos em “Happines Stan”. Mesmo sendo uma história a parte musical é bem interessante. “Rollin’ Over” é um hard rock padrão se considerarmos a época que foi lançada. A fantástica “The Hungry Intruder” em que Marriot arrasa novamente. A seguinte é a psicodélica “The Journey” na qual sabemos como é voar nas costas de um mosquito gigante. “Mad Jonh” é um folk rock de primeira e “Happy Days Toy Town” que, segundo alguns críticos, é como se os Beatles estivessem tocando "Always Look on the Bright Side of Life" do grupo de comediantes inglês Monty Phyton.

Relançamento recente em LP
O álbum ficou seis semanas em primeiro lugar nas paradas, tempo considerado longo e na época era um feito que só os Beatles conseguiam. Os singles de “Lazy Sunday” e “Afterglow” ficaram no número 2 e 36, respectivamente. Foi lançado em um box de metal circular simulando uma lata de fumo. Dentro da lata havia algumas sugestivas folhas de seda. Por ser uma embalagem cara foi relançada ainda na forma circular, mas dessa vêz em papelão, em formato gatefold, como os discos normais. O próprio nome do álbum foi uma paródia para Ogdens’ Nut-Brown Flake uma marca de fumo produzida desde 1899. Em CD foi lançado algumas vezes em formato simples, mas em 2006 saiu uma latinha circular contendo três discos sendo que um tem a versão em stereo, outro a versão em mono e o terceiro é um documentário sobre a gravação do disco daquela série Classic Álbuns.



Em 1969 Marriot surpreende todo mundo e se desliga da banda dizendo que não estava contente com o direcionamento musical do grupo e não poderia mais contribuir musicalmente. Steve Marriot já estava frustado desde o lançamento de Ogdens’ Nut Gone Flake por não conseguir executar ao vivo uma obra prima de estúdio. Na verdade apenas uma vez o disco foi completamente tocado ao vivo e em um programa da BBC chamado Colour Me Pop. Marriot seguiu a vida juntando-se a Peter Frampton no Humble Pie. O resto do grupo trouxe Rod Stewart e Ron Wood (futuro guitarrista dos Stones) e, aproveitando a mudança, resolveram também encurtar o nome da banda para Faces.

Tuesday, March 15, 2011

Lucifer Was - Underground and Beyond [1997]



Nós que gostamos de garimpar bandas esquecidas dos anos 60, 70 e 80 temos diversos exemplos de grupos que não tiveram o devido reconhecimento ou até mesmo não tiveram reconhecimento nenhum. Isso se deve a inúmeros fatores como falta de grana, escolhas erradas, má gestão ou simplesmente falta de sorte. Muitas dessas bandas surgiram, tocaram, compuseram músicas e nunca sequer conseguiram gravar um disco. Esse é o caso do Lucifer Was.

Para aqueles que ficaram curiosos de como eles chegaram nesse nome incomum para batizar a banda vou tentar resumir a história. No início a banda se chamava Ezra West, nome retirado da literatura inglesa do mesmo modo que aconteceu com Jethro Tull e Uriah Heep. Porém a pronúncia do nome sempre confundia as pessoas e isso os aborrecia bastante. Cansados de tentar explicar a origem desse nome trocaram-o para Lucifer. Independentemente das pessoas acharem esse nome adequado ou não para uma banda já haviam algumas (!) com o mesmo nome nos EUA e na Alemanha e isso também causava confusão. Sem decidir por um nome definitivo, enquanto não pensavam em outro e tendo em mente que Lucifer não seria mais utilizado, a resposta que começaram a dar para a pergunta “qual o nome da banda?” era a mesma: “Era Lucifer”, ou, em inglês, Lucifer Was. Assim acabaram adotando esse nome.

O Lucifer Was tocou junto por anos no início da década de 70 em seu país de origem, a Noruega. Chegaram a participar de alguns festivais e tiveram um relativo sucesso no underground do norte da Europa. Tocavam tanto por lá que Jan Ødegård, tecladista, ficou cansado e resolveu sair, ocasionando precocemente o fim da banda.

Durante essa época, entre 1970 e 1974, eles apenas gravaram algumas fitas demos que eram apresentadas para gravadoras, produtores e empresários, porém elas foram, durante um bom tempo, apenas recordações de bons momentos e nostalgia para seus componentes. Um dia, em meados dos anos 90, Einar Bruu, baixista, voltou a ouvir aquelas fitas e se surpreendeu com a qualidade das canções. Depois disso ele contatou todos os antigos companheiros para fazerem alguns shows em bares e ensaiar para bancar a gravação de um disco. Todos toparam menos Jan Ødegård. Assim a formação que gravou Underground and Beyond foi: Thore Engen (guitarras e voz), Dag Stenseng (flauta e voz), Anders Sevaldson (flauta e backing vocals), Einar Bruu (baixo) e Kai Frilseth (bateria).

Foto do Lucifer Was na década de 70

É difícil rotular o som do Lucifer Was. Eles constam em listas de bandas prog, hard e até heavy metal. Notem que a banda possui dois flautista ocasionando talvez a única banda que tem duelo de flautas à exemplo do que faziam as bandas de hard rock setentista e metal dos anos oitenta com as guitarras. Em muitos casos as flautas e guitarras se revezam na melodia da canção o que também faz com a banda tenha uma sonoridade única, como é o caso de canções como as pesadas “Scrubby Maid” e Teddy’s Sorrow.

Em “Song for Rings” novamente as guitarras dividem a melodia com as flautas folks, que por sinal é o estilo adotado para esse instrumento em praticamente todas as suas intervenções.

Vale lembrar que as músicas foram compostas durante o início dos anos 70 e a gravação ocorreu em 1997. Assim a sonoridade é um pouco diferente das bandas setentistas devido aos instrumentos, efeitos e gravações modernas que foram utilizadas, mas o clima da época das composições está todo lá. Seria interessante que as fitas demos que foram guardadas por Einar Bruu fossem lançadas à critério de curiosidade como bônus do disco.

“Out of the Blue” tem uma levada bem cadenciada e a melodia de flautas com acompanhamento da guitarra casou perfeitamente. No Lucifer Was não é comum a utilização de uma base de guitarra para acompanhar a principal, mas o expediente foi utilizado nessa canção, como também em “Light My Cigarette”. As músicas no geral são curtas, fugindo um pouco das característica da época. A mais longa é “The Green Pearl” com seus pouco mais de seis minutos. É Black Sabbath puro. Basta você imaginar que Tony Iommi está sendo acompanhado por Ian Anderson – fato que já aconteceu em um curto período em que Iommi abandonou o Sabbath e se juntou ao Jethro Tull. Tem como introdução a sequência de acordes de “The Hall of the Moutain King” do compositor clássico Edvard Hagerup Grieg, que por sinal é conterrâneo dos músicos do Lucifer Was.

Seguindo temos a sombria “Tarabas” que lembra novamente o Black Sabbath, principalmente no riff após o solo. Também em “Tarabas” Thore Engen canta de uma forma que poderia ser definido como um pré-gutural, diferente do modo que cantou em outras do álbum. Com “Fandango” voltamos clima que todo fã de classic rock e hard rock setentista adora, o mesmo acontecendo em “Asterix”, que fecha o álbum. “Fandango” tem a guitarra sem distorção apenas acompanhando as vozes, que por sinal fazem um ótimo trabalho nessa canção tanto nas estrofes quanto no excelente refrão. Temos também dois solos de flautas que caracterizam os duelos citados anteriormente. Forte candidata à melhor do álbum.

O peso volta em “The Meaning of the Life” com um riff pegajoso e um acompanhamento bem simples nas estrofes. O riff é acompanhado nota por nota pela flauta dando uma sonoridade bem característica para a banda. “In The Park” tem um início que parece alguma banda da NWOBHM ou até mesmo de uma banda de Thrash Metal da Bay Área, mas depois volta para o habitual, apenas mantendo o peso da guitarra em um ótimo riff sabbathiano. Para essa música o solo de flauta é acompanhado por uma guitarra sem distorção, apenas com um pouco de efeito. Porém quando a guitarra faz o solo a distorção volta com tudo.

Foto (não tão) atual da banda que excursiona hoje

A capa sinistra de Underground and Beyond não é clara, mas parece um anjo à frente da entrada de um túnel. Lembra muito as imagens de capas e fotos atuais das bandas de black metal norueguesas.

Depois do relativo sucesso do lançamento desse disco eles fecharam contrato com a Record Heaven e gravaram em 2000 o segundo álbum chamado In Anadi’s Bower, porém com Anders Sevaldson deixando a banda durante as gravações. Quatro anos depois foi a vez de Dag Stenseng abandonar o barco durante as gravações de um álbum, o terceiro, chamado Blues From Hellah, que foi seguido por The Divine Tree em 2007 e The Crown of Creation em 2010.

Na ordem: In Anadi's Bower, Blues Frem Hellah, The Divine Tree e The Crown Creation

A formação desde 1997 sofreu diversas mudanças e hoje excursiona com nove integrantes (quatro deles convidados), sendo apenas Thore Engen e Einar Bruu remanescentes. A partir do segundo disco a voz ficou a cargo de Jon Ruder, um vocalista com mais recursos que Thore Engen. Essa adição de vários músicos, inclusive de Jon Ruder, ampliou os horizontes dessa banda que no início poderia ser definida apenas como uma mistura de Black Sabbath com Jethro Tull, hoje é bem mais difícil definir. The Crown of Creation, por exemplo, tem adição de mellotron, violinos, teclados marcantes e até uma orquestra completa utilizada em estúdio (a Kristiansand Symphony Orchestra), que faz juz à opinião daqueles que os definem como uma banda de progressivo. Assim, com cinco discos gravados até então, temos uma discografia completa gravada durante os últimos treze/quatorze anos de uma banda que ficou hibernada no severo inverno norueguês durante mais de vinte anos.

Vale muita a pena ir atrás....

Friday, March 04, 2011

Spock's Beard - Snow [2002]


Após cinco ótimos discos o quinteto resolveu lançar seu mais audacioso disco e, como todos sabem, no rock progressivo isso significa muito trabalho, longa duração e, de preferência, um conceito a ser explorado durante todo o álbum. Assim sendo, a história concebida para ser contada é a de um rapaz de cidade pequena, que vai viver em uma das maiores cidades do mundo, Nova York. O álbum conta a história desse rapaz e de suas experiências na cidade. Logo após o lançamento do disco o vocalista do grupo resolveu que seu caminho devia ser trilhado sozinho e deixou seus antigos companheiros. No seu lugar, ao invés de trazer alguém de fora resolveram com uma solução caseira; promover o cara que normalmente menos aparece no palco a líder da banda, isto é, o baterista resolveu cantar.

Essa história é muito conhecida dos fãs de progressivo dos anos 70. O Genesis havia lançado alguns ótimos álbuns e logo após The Lamb Lies Down On Broadway, o lendário Peter Gabriel resolveu sair para uma boa carreira solo, deixando o posto para Phil Collins. Porém, essa história também serve para descrever exatamente do mesmo jeito a história de um outro grupo progressivo, o Spock’s Beard. Após cinco álbuns e já tendo conquistado certo espaço entre os fãs do estilo, seu vocalista, que também tocava algumas partes de teclado, Neal Morse, “encontrou Deus” logo após a gravação de Snow e resolveu sair da banda. Para o seu lugar como cantor foi escolhido Nick D’Virgilio, então baterista do próprio Spock’s Beard, que ainda conta com Alan Morse (guitarra), Ryo Okumoto (teclado) e Dave Meros (baixo).

Formação na gravação de Snow: Dave Meros,
Nick D' Virgilio, Ryo Okumoto, Neal Morse e Alan Morse
Com a saída de Neal Morse a banda continuou com sua sonoridade vinculada ao progressivo, mas agora de uma maneira mais acessível, seguindo a linha de bandas como Marillion e The Flower Kings. Os discos continuaram muito bons, em especial X, de 2010. Mas este artigo tem a intenção de falar sobre esse que para muitos é o melhor disco da banda, e que também sofreu diversas críticas que serão citadas no decorrer do texto.

Antes gostaria de falar um pouco da história que é contada ao longo do disco. Como resumido anteriormente, é a história de um garoto de uma cidade pequena que vai para Nova York. Porém, esse rapaz possui algumas características em especial. Ele nasceu dentro de uma família de trabalhadores rurais que tinham apenas o trabalho e a religião como ocupação. Porém, mesmo com poucos afazeres, e muito devido a isso também, é difícil para ele conviver com as pessoas da sua comunidade, de se envolver e se relacionar. Muito disso se deve ao fato de ele ser albino, fazendo com que as pessoas que o conhecem passassem a chamá-lo de Snow (neve) – “the working man's son, with skin like white lightning, and eyes like two shots from a gun”.

Para aumentar ainda mais seu isolamento entre as pessoas com que vive, ele possui o dom especial de saber o que as pessoas sentem. Assim ele conhece todas as mentiras e as indecências das pessoas. Porém, ele guarda esse segredo até se tornar um adolescente.

Após uma experiência espiritual, cuja natureza não fica clara no decorrer do álbum, ele decide deixar sua família para ir à Nova York, afinal é para lá que todo mundo quer ir. Então ele começa a passear pela cidade, olhando, checando, avaliando tudo e todos com os olhos inocentes de um garoto que nunca tinha estado em um lugar como esse e tinha poucas experiências realmente interessante na vida.

Nessas suas andanças ele conhece um rapaz, que na história é chamado de Harlem Knight, um garoto negro que o leva para um show de strip tease. Nesse momento descobre-se que Snow também tem poderes de cura. Knight e Snow começam a curar e converter pessoas de má índole que habitam a cidade. Os dois então criam uma organização chamada “The Touch That Heals”. Passam-se dois anos com as coisas indo muito bem e Snow se torna cada vez mais famoso, chegando à capa da revista Time. Porém, com o sucesso, seu ego começa a atrapalhá-lo.

No disco dois a história conta que ele conhece uma garota chamada Carie, que muda toda sua vida, fazendo-o cair em profunda depressão. Mas seu poder de ver os desejos das pessoas não o ajuda com Carie. Na verdade não é dito na história que seus poderes não funcionam com Carie, mas isso fica implícito. Porém, esse detalhe é utilizado por aqueles que julgam que a história do álbum é fraca. Na visão dessas pessoas, essa é uma informação importante e deveria ficar clara, ou então há um erro de continuidade da história. Mas seguindo o enredo, certo dia ele toca Carie, cai em transe e se vê andando nas ruas da cidade, bêbado e à beira da morte. Tendo essa visão, sua vida começa a desmoronar e Snow perde todo o respeito que tem das outras pessoas. A visão se torna realidade.

O final da história é um pouco confuso, com seu amigo Knight levando-o para um hospital, onde Snow volta à vida. Não sabemos se ele curou-se sozinho ou se foi Deus que assim o fez. Na verdade, tenho a impressão que Neal Morse deixou essa lacuna para que o ouvinte tire suas próprias conclusões. A parte engraçada é que, durante a história, Snow vai assistir a um show do Spock’s Beard, fato relatado na canção chamada “Ladies and Gentlemen, Mister Ryo Okumoto on the Keybords”.
Esse é um resumo da história contada ao longo dos dois discos de Snow. As convicções religiosas de Morse já se mostram bem claras em algumas passagens. É uma boa história? Cada um deve ter seu próprio julgamento. As críticas que li baseiam-se na opinião de que é pouca história para um disco tão longo. Eu acho interessante e considero o conceito desse álbum como uma mistura de The Lamb Lies Down on Broadway (Genesis) com Tommy (The Who).

Na parte musical temos um excelente disco com várias músicas de destaque. O primeiro CD é visivelmente superior ao segundo, mas sempre que ouço o álbum tento fazê-lo por completo, e após um longo tempo é natural que a concentração se perca. Tenho que ouvir mais vezes só o segundo CD para absorvê-lo melhor. Também temos o fato de que ao longo do álbum diversas passagens musicais são repetidas, trazendo unidade para o álbum em si, mas isso acaba fazendo com que algumas passagens do segundo álbum já não sejam novidade, apesar de muito boas. Esse é um tipo de expediente muito utilizado pelas bandas de progressivo em álbuns conceituais.

Os maiores destaques do disco são: “Stranger in a Strange Land”, “Welcome to NYC”, a linda “Open Wide the Flood Gates” e “All Is Vanity”. Também há duas Overtures na abertura de cada CD que são excelentes, iniciando perfeitamente ambos os discos.

Formação atual: sem Neal Morse
Mas o destaque maior vai para “Long Time Suffering”. Conheci a banda por meio dessa canção, em meados de 2003, e tinha a intenção de escrever esse texto como uma matéria para a coluna do Mairon Machado, “Maravilhas do Mundo Prog”. Ela não é longa como todas as músicas citadas na coluna, mas é maravilhosa. Seu instrumental no início lembra fortemente algumas canções de Yes e Emerson, Lake and Palmer, mas se engana quem acha que vai encontrar nessa faixa apenas viagens sonoras. A frase de guitarra no início é de emocionar qualquer um. Harmonia, melodia e emoção dosadas perfeitamente com um certo apelo pop que poderia até tocar nas rádios, inclusive possuindo um grande refrão. Esse é o tipo de música que qualquer um vai gostar, independente de que subestilo do rock a pessoa aprecie, e ouso dizer que em muitas músicas o Spock's Beard consegue isso. Há uma mudança no andamento, mas sem ser brusca como costuma acontecer no progressivo, um solo com perceptível improviso, com um efeito não usual, e uma seção de voz a cappela nos moldes do que o Gentle Giant fez maravilhosamente nos anos 70, com várias vozes cantando coisas diferentes. Até agora, para mim, é a melhor música dessa banda que possui diversas ótimas canções distribuídas em todos os seus dez álbuns.


A barba de Spock (Spock's Beard)
É uma pena saber que, depois de um lançamento tão bom, a banda se separou, ainda mais por questões religiosas que não deviam ser entraves para nenhuma forma de arte. Neal Morse lançou, após um tempo, alguns discos solo não tão bons, contendo apenas alguns momentos interessantes, mas participou (e ainda participa) do Transatlantic, supergrupo do progressivo atual, que conta com Mike Portnoy (bateria, Dream Theater), Pete Trewavas (baixo, Marillion) e Roine Stolt (guitarra, The Flower Kings). O Spock’s Beard, como já disse, teve alguns outros discos que fazem juz ao material antigo e não comprometem a carreira que se seguiu. Juntamente com o Porcupine Tree o grupo lidera a onda do rock progressivo atual. Vale a pena dar uma chance para a banda.