Aproveitando que o assunto do blog da Collector's Rom nos últimos dias foram as listas, achei interessante fazer uma segunda parte sobre a New Wave of British Heavy Metal, a famosa NWOBHM. Depois do texto sobre o importantíssimo ano de 1980, em que apresento dez discos que criaram o caminho para o desenvolvimento do estilo, sempre achei que o assunto precisava de uma segunda parte.
Pensei em falar sobre os discos do ano de 1981, ou uma lista reunindo os anos de 1981 e 1982. Porém, achei que seria mais abrangente fazer uma lista de discos de bandas que, apesar de serem conhecidas por aqueles mais aficionados pelo estilo, não tiveram tanto reconhecimento quanto aquelas bandas que citei no primeiro texto. Ou seja, não seguirei nenhum critério temporal. Claro que esses álbuns são todos de um período bem determinado – 1980 a 1984 – mas isso é meramente uma coincidência esperada, já que estamos tratando de um estilo tão característico.
Não tenho pretensão de fazer uma lista dos dez melhores discos do estilo, nem mesmo sei se os álbuns aqui apresentados são os melhores dessas bandas - são apenas trabalhos que eu gosto muito e acho importantes. A ideia é passar uma seleção que sirva como um roteiro para aqueles que não conhecem as bandas. Também vou colocar os discos em ordem cronológica de lançamento.
Na primeira parte sobre a NWOBHM comento sobre uma certa indefinição que esses grupos tinham em seu som. Na verdade, essa indefinição só é percebida após todos esses anos, já que depois de tanto tempo estamos mais habituados a definir mais rápido o que é heavy metal tradicional e o que é hard rock. Como essas bandas tinham influências diretas da sonoridade de grupos setentistas, é natural que, apesar de tentar colocar mais peso em suas composições, o modo de tocar e compor fossem parecidos.
Lembro-me de que muitos comentaram na primeira matéria que a NWOBHM marcou uma menor influência do blues no heavy metal, e isso também foi importante.
Outro fato que eu estava notando no aprofundamento sobre a NWOBHM é que praticamente todas as bandas lançaram mais de um álbum, e muitas delas acabaram modificando o seu som para algo mais acessível. Talvez pelo simples fato de que com a enorme quantidade de grupos que estava surgindo, e com isso a grande concorrência, tornar o som mais acessível foi uma estratégia – nem sempre eficiente – de se destacar. O exemplo clássico é o Def Leppard.
É difícil encontrar bandas que tiveram apenas um disco gravado e desapareceram. Talvez a mais famosa seja o White Spirit do Janick Gers, que mereceu uma citação na matéria anterior. Isso aconteceu muito em outro movimento musical regional, o rock progressivo italiano.
Quartz – Stand Up and Fight (1980)
Esse disco não entrou na primeira lista que fiz porque senti a necessidade de incluir os trabalhos que mais geraram polêmica, mas achei que eram importantes serem citados - Micheal Schenker Group e Judas Priest.
Sabe aquele álbum que você escuta e tem certeza da sua época de lançamento? Esse é um deles. Não tem como não associá-lo automaticamente ao metal do início dos anos oitenta. Outra banda que sempre tenho esse conceito é o Quiet Riot. Apesar da sonoridade ser característica da época, a gravação é boa se compararmos com inúmeros discos do período. O baixo, por exemplo, é audível e não fica embolado.
O primeiro LP do Quartz foi produzido por Tony Iommi, com alguns backing vocals tendo sido gravados por Ozzy Osbourne, além de um solo de Brian May. Com padrinhos como esses e Stand Up and Fight como o disco seguinte, eles poderiam ter se dado muito melhor. O guitarrista e tecladista Geoff Nicholls é conhecido dos fãs do Black Sabbath, já que o mesmo saiu da banda pouco antes da gravação desse álbum para ajudar nas composições e tocar teclado no clássico Heaven and Hell. Os destaques são “Stokin Up the Fires of Hell”, a faixa título e “Can’t Say No to You”, apesar de muitos a acharem chata e longa demais.
O disco foi relançado em 2004 e é fácil de encontrá-lo no eBay a preços interessantes.
Praying Mantis – Time Tells No Lies (1981)
Todo mundo que se interessa pela NWOBHM logo dá de cara com essa banda. Seu estilo musical ainda tem muita da já citada indefinição musical que esses grupos tinham à época. É heavy metal ou hard rock? Cabe a cada um analisar e decidir.
A faixa de abertura, “Cheated” é totalmente hard rock, com refrão grudento e parte lentas. No ao vivo Live at Last, de 1990, essa música é cantada pelo Paul Di´Anno e ficou muito legal. Aliás, vários caras conhecidos já passaram pelo Praying Mantis ao longo de todos esses anos, inclusive Clive Burr e Dennis Straton (Iron Maiden), Bernie Shaw (Uriah Heep), Doogie White (Rainbow) e Gary Barden (Michael Schenker Group).
O disco tem vários hits que são tocados até hoje nos shows. Além da já citada “Cheated”, tem um cover dos Kinks - “All Day and All of the Night” -, “Running for Tomorrow”, “Flirting With Suicide” e “Panic in the Streets”. Porém, as demais faixas não citadas não ficam devendo nada para essas.
Quem se aprofundar um pouco mais irá descobrir que a história do grupo é uma verdadeira bagunça. Se você ler algum texto rapidamente não vai entender nada. Afinal, a banda até chegou a trocar de nome duas vezes.
No Japão o Praying Mantis faz muito sucesso. Seus discos são encontrados facilmente no mercado de lá. Algumas pessoas, inclusive este que vos escreve, conheceram a banda tendo contato com discos que foram gravados com a participação dos ex-integrantes do Iron Maiden, mas qualquer um desses álbuns não são tão bons quanto Time Tells No Lies, uma ótima aquisição para qualquer coleção.
Demon – The Unexpected Guest (1982)
Tenho certeza que os ouvintes tremiam quando ouviam pela primeira vez a faixa de abertura desse disco lá no início dos anos oitenta. Depois de sons sombrios, sussurros e portas rangendo ao fundo, temos o início de “Don’t Break the Circle”, que já começa direto no refrão, fazendo a gente cantar junto. Excelente música. A segunda, “The Spell”, é quase AOR, bem diferente da primeira, mas igualmente boa. Aliás, em várias faixas você vai encontrar refrões de fácil assimilação, característicos do AOR. Mas você quer metal? Então tá, escute “The Grand Ilusion” (coincidentemente o nome de um disco do Styx que abusa das passagens AOR também), “Beyond the Gates” e “Deliver Us From Evil”.
Tenho certeza que a sorte dos caras foi definida quando eles escolheram o nome Demon. A exemplo do que aconteceu com o Satan, dificilmente eles alcançariam sucesso comercial com esse nome, e sem sucesso comercial sabemos que nenhuma banda chega a ser reconhecida - porque competência eles tinham.
Apesar de serem de certo modo desconhecidos, o grupo não seguiu o caminho de vários outros, ou seja, não lançou um ou dois álbuns, se separou e depois voltou recentemente com o revival do estilo. A banda continuou, com uma mudança no som e na temática das letras e diversas modificações em seu line-up, apesar do pouco reconhecimento, até seu décimo álbum, lançado em 1992. Após isso, uma parada de quase dez anos, e aí sim um retorno para gravação de outro álbum em 2001.
Whitchfinder General – Friends of Hell (1983)
Toda vez que você ler algo sobre o Whitchfinder General vai ouvir duas coisas: uma é que eles seguiram os passos do Black Sabbath, e a outra é que eles são os precursores do doom metal. Já na audição da primeira música desse disco você vai dar razão para os dois argumentos.
Para quem já ouviu o primeiro álbum, Death Penalty (1982), vai logo perceber que este nada mais é do que uma continuação do que estava sendo feito. A impressão que dá é que eles compuseram os dois discos ao mesmo tempo e só dividiram as músicas. Os vereditos sobre qual é o melhor variam muito, mas se tiver que escolher eu fico com esse.
As opiniões sobre a faixa “Music” são muito distintas. Uns falam que é uma porcaria por ser uma tentativa de fazer uma música mais pop, outros dizem que é uma composição forte que fez aumentar a atenção para a banda. Sinceramente, acho que o destaque do disco não é esse, então acabo não tendo uma opinião formada. É legal, mas não tão legal quanto as outras.
Fico imaginando a capa desse álbum em LP. Tenho certeza que os moleques escondiam essa capa para não levarem bronca da mãe. Ambos os discos lançados pelo grupo nessa época tinham capas com mulheres seminuas sendo de alguma maneira atacadas pelos componentes da banda. A temática também devia fazer as mães “adorarem” o grupo: sexo, drogas, rock, cerveja e um pouquinho de satanismo para temperar – enfim, tudo o que os pais esperam que um adolescente ouça.
Raven – All for One (1983)
Não confundir esse disco com o One for All de 2000, que é bem fraco. Eu fazia muito essa confusão. Inclusive comprei o de 2000 achando que era o de 1983.
O Raven tinha uma apresentação bastante energética, tanto que começaram a falar que eles faziam um “athlectic metal”, que é inclusive o nome de uma das faixas do disco. Coisa de quem gosta de inventar. A banda tem como cerne os irmão Gallagher (não confundir com os irmãos Gallagher brigões do Oasis) - John, baixo e voz, e Mark, guitarras .
O som lembra muito o Accept, principalmente as guitarras. Inclusive, na edição de relançamento desse disco há um cover de “Born to Be Wild” com a participação de Udo nos vocais.
Nos álbuns de estúdio é muito perceptível a gravação de uma guitarra base para preencher mais o som. Isso não é problema nenhum, a maioria das bandas seguem esse expediente. Porém, no caso do Raven a segunda guitarra está muito na cara. Nunca ouvi a banda ao vivo, então não sei se essa guitarra fazia falta ou não.
Muito podem dizer que o melhor álbum do grupo é Rock Until You Drop (1981) ou até mesmo Wiped Out (1982), ambos anteriores a All for One, mas foi com esse disco que conheci a banda e é o que mais gosto.
O álbum abre com a porrada “Take Control”, e ao longo do LP há várias músicas que farão aqueles que gostam de metal e não conhecem o Raven se tornar emnovos fãs, como a faixa título, a densa e arrastada “Run Silent Run Deep” (que toda vez me faz lembrar e ficar com vontade de ouvir a “Running Sillent Running Deep” do Iron Maiden) e “Seek & Destroy” (não, não é um cover).
Satan – Court in the Act (1983)
Esse álbum é muito conhecido pelos fãs de heavy metal em geral, não só pelos que gostam da NWOBHM. Simplesmente define o movimento inglês. Se você quiser apresentar o estilo para alguém, esse é um ótimo início. Ouça a faixa de abertura, “Trial By Fire” (como as bandas de metal gostam das palavras “fire”, “steel”, “dark”, não é mesmo?) e comprove.
Porém, a falta de sucesso do Satan se deve pelo momento infeliz da escolha do nome, exatamente como aconteceu com o Demon. Na época de lançamento esse foi um dos discos mais extremos do movimento. Isso, somado ao nome da banda, deve ter assustado muita gente, em especial gravadoras e produtores de shows.
Sempre leio alguma coisa relacionada com uma possível má produção do álbum, mas sinceramente não vejo problema nesse caso. A sonoridade é talvez um pouco datada, mas dá para ouvir tudo certinho, guitarras, baixo, bateria e a bela voz de Brian Ross, que também é famoso por uma outra banda importante do estilo, o Blitzkrieg.
A velocidade é algo que eles prezavam. Bons exemplos são “No Turning Back” e “Break Free”, com seu longo solo de três minutos. Ouvindo o disco conseguimos identificar vários elementos que seriam usados futuramente nas bandas de thrash, power, metal melódico, etc, provando a importância do Satan.
Jaguar – Power Games (1983)
Diferentemente da capa de gosto duvidoso, o disco é muito bom. O Jaguar é um exemplo de banda que após um discaço tentou aliviar um pouco o som, parecido com o que o Def Leppard fez. Porém, nesse caso não deu certo, e o grupo acabou pouco anos depois.
Atualmente a banda está na ativa, já que o sucesso desse álbum com o pessoal que só foi conhecer o Jaguar recentemente fez com que a reunião se tornasse possível, tamanho o interesse que causa ao ouvir o disco. Depois desse retorno eles gravaram alguns álbuns que, sinceramente, não ouvi e não posso opinar.
É difícil citar os destaques, já que as músicas são todas muito regulares, mas a faixa de abertura “Dutch Connection”, “No Lies” e “War Machine”(que só tem no relançamento) talvez sejam os maiores destaques. Escutem o disco e me digam quais são as suas preferidas.
A gravação não é das melhores, mas a qualidade das músicas se sobressai a isso. Para quem ouvir e tiver o interesse em adquirir o álbum, sugiro que não o faça. Como assim?!!? Explico: sugiro que procurem Power Games: The Anthology, CD duplo que possui os dois primeiros álbuns mais os compactos que foram gravados antes do lançamento dos discos, além dos extras das edições avulsas. Vale a pena para quem não vai se interessar em ter tudo do Jaguar.
Tank – Honour & Blood (1984)
Quarto disco da banda, que possui pelo menos outros dois bons trabalhos nessa fase inicial da NWOBHM. Esse álbum me lembra muito o Running Wild. Os riffs bem marcados (que em alguns momentos também lembram Judas Priest) e, principalmente, a voz rouca de Alasdair Mackie "Algy" Ward. O Tank é uma influência para o Running Wild? Nunca li nada sobre isso. Se levarmos em consideração a questão temporal, é possível que a resposta seja sim. Ainda sobre a voz, deve ser essa diferença entre estilos que mais fez os fãs torcerem o nariz para a entrada de Dooggie White, com sua voz mais limpa, nesse último disco lançado em 2010, War Machine.
O disco abre com “The War Drag Ever On” como uma introdução de teclado que certamente foi composta por quem não é tecladista, acompanhada de uma guitarra que mostra logo de cara que os riffs cavalgados que tanto caracterizam a NWOBHM estarão presentes. De um modo geral as melodias de guitarras (gêmeas, como manda o figurino) em todas as músicas são muito legais, e tenho certeza que se fossem feitas por alguma banda mais renomada seriam ovacionadas pelos fãs. O coral do refrão da faixa título é algo que os grupos de power metal estão cansados de fazer atualmente. “W.M.L.A.” é lenta sem ser uma balada, e o refrão de “Too Tired to Wait For Love” é daqueles que demoram a sair da cabeça.
Tokyo Blade – Night of the Blade (1984)
Na minha opinião, o maior destaque desse disco é a excelente voz de Vicki Wright, que tinha acabado de entrar no grupo. Muitos vocalistas das inúmeras bandas de metal melódico que surgiram nos anos noventa certamente escutavam esse pálbum cantando junto enquanto tomavam banho. Toda vez que escuto o disco fico cantando a faixa título durante um bom tempo. Outra que faz eu lembrar do seu refrão por dias é “Lovestruck” (“Love struck, overload, I’m losing my head over you”).
A banda não teve um sucesso maior por ter inúmeras trocas de componentes e por ter gravado discos irregulares a partir de 1985. Por irregulares entendam “com a intenção de atingir o mercado norte-americano” (mais uma que foi na cola do Def Leppard). Antes disso foram três álbuns que podem ser classificados como muito bons a excelentes. Pelo menos esse em questão eu colocaria entre os melhores do estilo.
O ponto fraco é o fato de o disco de ter apenas 34 minutos de duração. Para os que conseguirem encontrar a versão de relançamento, podem usufruir de uma faixa bônus que aumenta a duração do álbum mais um pouquinho. Se você não conhece a banda ou só conhece outros discos deles, procure-o urgentemente.
Cloven Hoof – Cloven Hoof (1984)
Esse é um disco que dificilmente alguém vai falar que é imprescindível na sua coleção, porém, todas as características do estilo estão nele. Vocais e letras épicas, mudanças de tempos e bons riffs de guitarra. Tenho certeza que se você estiver ouvindo esse álbum pela primeira vez não vai ter dúvida que está escutando mais um trabalho da época de ouro da NWOBHM. Então esse é um disco que soa datado? Eu diria que sim.
Uma das coisas que o heavy metal herdou do punk nessa época foi a questão do “faça você mesmo”. Isso explica um pouco a gravação fraca de muitos LPs de bandas iniciantes. Esse é um ótimo exemplo disso. Os efeitos de distorção das guitarras não dão o peso que deveriam, mas se você fizer a ressalva que fiz acima tenho certeza que não vai se importar.
O destaque é a épica “Gates of Gehenna”, que é precedida pela faixa instrumental “March of the Damned”, tem vocais em falsete, corais ao fundo, passagens inspiradas de guitarra e um ótimo solo. Escutem o disco e me digam se faltou ou não um pouco de bom gosto em “Crack the Whip”. Talvez este seja o único ponto negativo do play. Porém, essa falha nem é lembrada devido às músicas seguintes: “Laying Down the Law”, com um refrão feito para ser tocado ao vivo, e a arrastada “Return to the Passover”.
Se é imprescindível ou não decida você mesmo, mas tenho certeza que este disco será um diferencial na sua coleção.
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