Monday, February 28, 2011

Uma introdução ao Rock Progressivo Italiano - Parte II


Depois de ter indicado cinco álbuns para se iniciar no rock progressivo italiano, apresento esta segunda parte com mais cinco discos importantes e bastante representativos do estilo. O critério utilizado para a escolha dessas obras será apresentado no decorrer do texto. Porém, com o intuito de adicionar informações contidas na primeira parte serão citadas mais algumas características próprias da cena e das bandas italianas. Para quem não leu a primeira parte clique aqui.

A Itália no começo dos anos 70 era um caldeirão efervescente de músicos, idéias e, como comentado anteriormente, de divergências políticas. Os partidos de esquerda estavam se levantando contra os de situação e havia muitas manifestações pelas ruas. Alguns desses partidos organizavam comícios, e uma forma de atrair público, especialmente o público jovem, era o de contar com apresentações musicais. Esses comícios duravam horas, e se pareciam muito com os festivais. A diferença é que no lugar de algumas bandas existiam discursos. Com isso muitos desses músicos acabaram sendo relacionadas à certos partidos, mesmo quando não partilhavam dos mesmos conceitos. A intenção dos grupos era estar presente, e o espaço oferecido não podia ser desprezado.

Bandas de outros países se apresentavam frequentemente na Itália, como o King Crimson, que certa vez literalmente fugiu do palco por causa de manifestantes políticos, e o Van der Graaf Generator. Essa última tinha um sucesso tão grande na Itália que teve o seu disco Pawn Hearts (1971) figurando na primeira colocação da parada italiana durante muitas semanas, além do fato de seu líder, Peter Hammil, ser tratado com extrema adoração pelos italianos. É realmente surpreendente conhecermos essas informações, afinal nem mesmo na Inglaterra isso era possível. Algumas bandas faziam mais turnês na Itália do que na Inglaterra ou qualquer outro país simplesmente porque seus shows na península itálica lotavam, diferente do seu país natal.

As bandas italianas tinham o costume de utilizarem mais de um tipo de teclado na mesma música e durante os discos. Além do mellotron, do hammond, do moog e outros, o piano e o órgão também eram empregados a serviço da criatividade dos músicos, muitos deles multiinstrumentistas. Era normal o baterista ir para o teclado, ou para algum instrumento de sopro, e o mesmo acontecia com guitarrista, baixista, etc. As guitarras como são usadas no rock não eram tão evidentes, sendo substituídas pelo violão ou mesmo pela própria guitarra sem efeito algum. Cabe aqui comentar sobre a utilização das flautas. Todas as bandas que utilizam esse instrumento são logo relacionadas com o Jethro Tull, mesmo que seu som não seja em nada parecido com eles. Depois de ouvir o RPI essa associação acaba. Já que quase todas as bandas fazem uso das flautas, assim como de vários outros instrumentos de sopro.

A cena italiana era tão grande na época que talvez esse seja exatamente o motivo de seu rápido declínio. Com um grande número de bandas lançando material, outras estrangeiras fazendo shows e também lançando discos, os italianos tinham que fazer um esforço enorme para conseguirem um lugar ao sol. O público do país também tinha que fazer um esforço tremendo, principalmente financeiro, para ficar por dentro das novidades. Imagine-se um fã de rock progressivo no começo dos anos setenta com os mesmos interesses que você tem hoje. Ou seja, você gosta de várias bandas inglesas além das italianas, eventualmente algumas alemães e uma francesa. Com todos esses grupos lançando discos uma vez ao ano, imagine a grana que você teria que gastar para adquirir e ouvir tudo isso. Temos que ter em mente que na época nem fitas cassete existiam, então se você fosse escutar algo tinha que ser do LP ou das rádios. Bandas novas dificilmente tocavam nas rádios, e, além do mais, o início da década de 70 foi talvez a época mais prolífica da história do rock em geral. Concluindo, para uma banda nova era muito difícil conseguir gravar um disco, e muito mais difícil ainda conseguir ganhar dinheiro com isso.

Então, finalizando essa introdução e considerando o parágrafo anterior, cito agora cinco discos de bandas que por todos os motivos descritos acima lançaram apenas um álbum durante o período de ouro do RPI. Falo desse período porque algumas delas até lançaram um segundo álbum depois de muitos anos, mas isso se deve ao sucesso tardio que essas obras tiveram, fazendo com que os músicos se reunissem novamente para fazer alguns shows para prestar tributo a esses discos e eventualmente gravar um novo. Algumas dessas reuniões, que ocorreram somente a partir dos anos 90, foram feitas ainda com poucos componentes originais. Menção honrosa ao Alphataurus e ao Campo Di Marte que lançaram em 1973 discos homônimos, mas como tinha que escolher apenas cinco discos, esses tiveram que ficar de fora. 


Biglieto Per l'Inferno – Biglieto Per l'Inferno [1974]

Bastante diverso o universo sonoro do Biglieto Per l'Inferno, que significa "bilhete para o inferno". Apesar do nome, não têm ligação alguma com o lado do mal, tendo sua letras relacionados a temas sociais e psicológicos. Musicalmente eles vão da calmaria para a tempestade em poucos segundos, mas de uma maneira tão natural que impressiona, assim como a habilidade musical dos componentes. Eles chegaram a gravar um segundo álbum em 1975 chamado Il Tempo Della Semina, mas que não foi lançado na época, saindo em CD apenas em 1992. A curiosidade é que, após a separação em 1975, Claudio Canalli, voz e flauta, foi viver como um monge em um monastério na região da Toscana. Como muitas bandas, eles retornaram há poucos anos, com uma formação de nove (!) componentes, sem Claudio Canalli, e estão fazendo alguns shows, gravaram um álbum ao vivo em 2005 e um terceiro álbum Tra l'Assurdo e La Ragione (2009).


Buon Vecchio Charlie – Buon Vecchio Charlie [1972]

A banda se separou logo após a gravação do disco, certamente por falta de apoio para a promoção do álbum. Todos os componentes continuaram carreiras artísticas, sendo que três deles, Luigi Calabrò (guitarra), Rino Sangiorgio (bateria) e Paolo Damiani (baixo) formaram o Bauhaus (não confundir com o grupo britânico de gothic rock) que abusava ainda mais da influência de Miles Davis que já aparecia ao longo de todo esse álbum. O disco inicia com "Venite Giù Al Fiume" usando uma melodia já utilizada por Lucifer's Friend e Helloween de um clássico da música erudita chamado "In the Hall of the Mountain King", de Edward Grieg, que prepara para uma jam muito interessante. "All'Uomo Che Racccoglie I Cartoni" tem tantas mudanças de andamento que pode confundir um ouvinte menos interessado e acostumado, mas após algumas audições o prazer é garantido.


Semíramis – Dedicato a Frazz [1973]

O título desse disco, que significa "dedicado à loucura", descreve muito bem o som que sai das caixas de som ou dos fones de ouvido, dependendo de como você costuma ouvir suas músicas. O uso de instrumentos variados é a tônica do álbum, sendo que o que mais chama atenção é o xilofone, além dos sintetizadores, como por exemplo na faixa "Uno Zoo di Vetro". Quando descobri que foi gravado por adolescentes e que Michele Zarillo, guitarrista e vocalista, na época tinha apenas dezesseis anos, fiquei impressionado. "Per Una Strada Affollata" tem uma passagem de guitarra, baixo e sintetizadores muito legal, fazendo com que você torça para que a música não acabe nunca. Mas os dois maiores destaques são "Dietro Una Porta di Carta" e "Frazz". Porém, esse é um álbum difícil de assimilar. É preciso um pouco de insistência para isso. É bom estar bem habituado à sonoridade do estilo.


Maxophone – Maxophone [1975]

A banda foi formada em 1972, mas só conseguiram lançar esse disco três anos depois, já estando o grupo dissolvido. Foi também gravado em inglês, mas nunca ouvi essa versão. O disco inicia e você tem a impressão de que pegou um disco de algum pianista clássico até a entrada das guitarras distorcidas, mas logo depois a música volta à calmaria novamente com Alberto Ravasini cantando com o piano ao fundo e à medida que o tempo vai passando os outros instrumentos vão ficando mais nítidos em uma das canções mais bonitas do RPI, "C'è Un Paese Al Mondo". "Fase" tem uma introdução que lembra as bandas de hard rock do fim dos anos sessenta com um riff bem cadenciado, mas não se engane, a faixa, que é instrumental, se torna um jazz rock bem criativo com algumas influências clássicas. A parte das guitarras lembra um disco solo de Jan Akkerman do Focus. O uso de diversos instrumentos é uma constante durante todo o álbum e a impressão que nos dá é que as influência estrangeira é mais evidente na banda do que em outras da Itália. Esse disco rivaliza muitas vezes com o Zarathustra como o melhor disco de prog italiano. Para falar a verdade eu mesmo gosto mais dele.


Museo Rosenbach – Zarathustra [1973]

O Museo Rosenbach é um fenômeno. Mesmo com apenas um disco lançado na época, é uma lenda entre os admiradores do RPI. Esse disco é frequentemente citado como o melhor do gênero e é obrigatório para todos aqueles que se interessam pelo estilo. Zarathustra é um álbum conceitual influenciado por Nietzsche. Foram muito criticados e até perseguidos por acharem que o disco fazia alusão e apoio ao facismo. Como não entendo muito de italiano não posso opinar em relação à isso e ainda não encontrei um "letras traduzidas" do álbum. A capa também é criticada pelo mesmo motivo. Como toda obra muito conhecida e cultuada, sempre aparece alguém para falar mal. Certa vez li que esse disco não passava de rock normal com adição de mellotron, o que é pura bobagem. A faixa de abertura, "Zarathustra" é divida em várias partes e tem muitas características floydianas, que me lembram muito "Atom Heart Mother". No LP a faixa título tomava todo o lado A com seus vinte minutos de duração. Chama a atenção, principalmente em "Della Natura" o trabalho de bateria de Giancarlo Golzi, muito parecido com o que Carl Palmer fazia, com diversas viradas e variações. "Dell‘Eterno Ritorno" apresenta Stefano Lupo Galifi cantando de uma forma agressiva, o que não é normal no RPI. Aos que se interessarem e quiserem adquirir o LP, já adianto que os valores que encontrarão são um pouco salgados. Esse é um caso no qual um relançamento com uma boa remasterização traria felicidade para muita gente.

Wednesday, February 16, 2011

King Diamond - The Eye [1990]



Podemos nos referir a King Diamond como o vocalista com maquiagem demoníaca, que canta em falsete e usa uma cruz feita de ossos como base para seu microfone, ou podemos falar sobre a banda como um todo. Claro que é muito mais representativo falar do vocalista dinamarquês, afinal o grupo leva seu nome artístico, mas acredito que isso diminuiria o trabalho dos outros músicos integrantes, principalmente de um guitarrista fantástico chamado Andy LaRocque. Todos os outros componentes da banda ao longo dos anos foram mudando, mas o cerne do grupo é essa dupla. Antes de falar sobre o disco que é tema deste artigo eu gostaria de deixar registrado o quanto considero Andy LaRoque um guitarrista excelente, porém injustiçado e quase sempre esquecido. Além do seu ótimo trabalho com o King Diamond, Andy também foi membro durante um tempo de outra grande banda, o Death de Chuck Schuldiner, gravando o álbum Individual Thought Patterns.

Andy La Rocque em foto atual de seu site oficial

The Eye é um clássico disco conceitual do King Diamond. Em sua carreira solo, o vocalista deixou de lado o satanismo que era o tema principal de sua ex-banda, o Mercyful Fate, para se dedicar a contar histórias de terror. Apenas dois de todos seus discos solo não são totalmente conceituais, a saber, Fatal Portrait (1996) e The Spider’s Lullabye (1995). Porém, mesmo esses álbuns ainda possuem algumas músicas ligadas entre si.

A história de The Eye gira em torno de um colar conhecido como “O Olho da Bruxa”, ou simplesmente “O Olho”. Esse objeto tem poderes que permitem mostrar o passado para quem o usa e também causar a morte de quem o olhar diretamente. O álbum abre com “The Eye of the Witch” que apresenta ao ouvinte o colar e suas características. A canção foi o único single lançado do disco.

Depois disso temos “The Trial (Chambre Ardente)”, que conta o julgamento de Jeanne Dibasson, uma suposta bruxa. O tribunal é comandado por Nicholas de La Reymie, chefe da Chambre Ardente, ou Câmara Ardente, que nada mais é que o órgão da Inquisição Francesa. A música na verdade é um diálogo entre o investigador e a mulher. O clima da canção, com seu riff pesado e arrastado, combina perfeitamente com o diálogo e os eventos que ocorriam realmente nesse tipo de caso de suspeita de bruxaria. No álbum todos os nomes dos personagens que são apresentados são descritos como reais, como mostra o texto, traduzido, abaixo:

“As partes principais das histórias narradas
neste álbum são, infelizmente, verdadeiras
e ocorreram durante a inquisição francesa,
entre 1450 e 1670. Todos os personagens seguintes
são reais e pertencentes àquela época.”

Como todos sabem, esses julgamentos na época praticamente tinham um fim certo, a execução da bruxa. É o que descreve a música seguinte. Com seu sugestivo título, “Burn”, conhecemos então o destino de Jeanne Dibasson, o mesmo destino de diversas pessoas durante o período de inquisição na Europa. Uma particularidade da Inquisição Francesa é que, diferentemente da Espanhola e da Portuguesa, quem fazia a investigação eram juízes de direito. Depois de julgada, aí sim a pessoa era passada para a igreja, a fim de receber sua punição. Mas é claro que isso era apenas uma mera formalidade.

Um representação de um tribunal de inquisição "trabalhando"

“Two Little Girls” faz a conexão entre a história de Jeanne Dibasson com a parte restante do disco. Teclados sinistros acompanham a voz de King Diamond ao narrar a cena de duas meninas que estão brincando em um local onde as bruxas eram queimadas, quando encontram um colar no meio das cinzas. As duas garotas brigam pela posse dele e uma delas, ao olhar fixamente para o objeto, morre. Não há referências a isso, mas é coerente pensar que a garota que ficou com o colar é Madeleine Bavent, personagem central da segunda parte da história, que acontece em um convento em Louviers, que fica no norte da França. A segunda parte da história inicia-se com “Into the Convent” (não confundir com “Into the Coven”, clássico do Mercyful Fate) que conta a história da freira, Madeleine, que era forçada pelo padre Pierre David, capelão do convento, a participar nua de um ritual chamado por ele de “comunhão”. Em um dos dias do ritual ela resolve colocar o colar e padre David morre ao olhar para ele. “Into the Convent” é musicalmente uma das melhores do álbum, destaque para os guitarristas, que detonam nessa música.

O convento não pode ficar sem um capelão, então padre Mathurin Picard (ou “Father Picard”, nome da faixa) é o novo encarregado. Rapidamente ele escolhe quatro freiras que vão participar com ele de uma “comunhão” (sim, novamente a tal comunhão). Mas as freiras começam a ser controladas por padre Picard por meio de um pó branco que ele adiciona no vinho que elas ingerem durante o ritual, deixando-as sem lembranças e sem vontade própria. Na próxima canção, “Behind These Walls”, Madeleine começa a ter alguns flashes e lembrar-se vagamente de alguns acontecimentos dessa comunhão e fica se perguntando o que acontece atrás desses muros do convento.

O Rei Diamante se preparando para um show

O mistério é desvendado na faixa seguinte, “The Meetings”. O que acontece é nada mais nada menos um ritual de sacrifício de recém-nascidos que são crucificados por dois padres e quatro freiras, todos liderados por Picard. Nessa hora nos lembramos do texto em que diz que os eventos contados no álbum são verdadeiros. Sinistro...

Seguindo, temos uma música instrumental chamada “Insinity”. Belo arranjo de violões, acompanhando um solo cheio de melodia e muito bonito. Após acompanhar a história sinistra que estávamos conhecendo, essa música serve para aliviar a tensão da descoberta que tivemos ao saber dos bebês e da crucificação. Também prepara o ouvinte para o desfecho da história. Todos os que participavam dos rituais foram presos, é o que conta “1642 Imprisonment”. O solo no final dessa música é o mais fantástico do disco. Madeleine Bavent, agora presa, sente-se mais livre libertando-se do inferno que era sua vida.

O disco encerra com “The Curse” que tem o objetivo de fechar a história dizendo que o poder do “Olho” vai sempre continuar. Como na primeira faixa a pessoa estava voltando ao passado, podemos dizer que agora ela está retornando ao presente e assim acaba a história deste que é o meu disco preferido do King Diamond. Talvez eu goste dele até mais que dos discos do Mercyful Fate.

O instrumental dos discos do King Diamond são sempre marcantes. Os músicos que o acompanharam ao longo da sua carreira sempre foram de altíssimo nível. Lembro-me de uma entrevista com Mikkey Dee, atual baterista do Motörhead, dizendo que era muito exigido nos shows devido à intensa variação rítmica e à dificuldade de execução das músicas quando era baterista do King Diamond.

Pete Blakk, Hal Patino, King Diamond, Snowy Shaw e Andy La Rocque

Acompanhavam King Diamond na época, além de Andy LaRocque, Pete Blakk na outra guitarra, Hal Patino no baixo e Snowy Shaw na bateria. O baixista acompanhou a carreira de King Diamond ao longo desses anos, ficando fora apenas durante sua saída no fim de 1990 até 2000. Snowy Shaw tocou em várias bandas ao longo dos anos 90, entre elas Memento Mori, Dream Evil e Mercyful Fate, mas o curioso é que de um tempo para cá ele deixou as baquetas para se dedicar aos vocais, além de também tocar guitarra eventualmente. Em 2006 ele gravou o álbum Gothic Kabbalah, da banda Therion. Em agosto de 2010 ele foi anunciado no Dimmu Borgir, mas um dia depois voltou para o Therion. Pete Blakk saiu logo após gravar esse álbum por problemas com drogas e hoje tem uma banda com Hal Patino chamada Disaster Peace.

Contracapa do album

Adquiri esse disco por volta de janeiro de 1992. Na época tinha treze anos de idade e aquela imagem da contra capa com uma mulher sendo queimada viva me deixava vidrado. Sempre tive prazer em ler desde pequeno. Comecei a ler livros com a famosa “Coleção Vagalume”, e imagino que muitos iniciaram com eles também. Então, depois de adquirir esse disco, ir traduzindo-o aos poucos e conseguir entender um pouco da história, a palavra “inquisição” ficou gravada na minha mente. Li tudo o que encontrei sobre o assunto e hoje em dia a época da história que mais me agrada é a Idade Média, certamente influenciado por tudo isso.

Monday, February 14, 2011

Uma Introdução ao Rock Progressivo Italiano


O chamado rock progressivo ficou conhecido mundialmente a partir de inúmeras bandas clássicas como Yes, Genesis, King Crimson, Pink Floyd, Gentle Giant, Van der Graaf Generator, Emerson Lake and Palmer e muitas outras. Quando se fala em rock progressivo é muito provável que essas bandas citadas sejam as primeiras que venham à mente de todos, exceção feita apenas entre aqueles que sentem orgulho de só gostar de grupos obscuros. Porém, além do reconhecimento, esses nomes citados têm outro ponto em comum, a sua nacionalidade britânica.

É inegável que o rock progressivo da Grã-Bretanha seja o mais conhecido entre todos os amantes do estilo, uma vez que os medalhões são todos de lá. Isso também acontece com muitos dos subgêneros do rock. Porém a palavra que usei foi “conhecido”, pois para uma parcela dos fãs a vertente preferida vem de outro país, a Itália. Se existiu alguma outra nação que pôde na época confrontar os ingleses em termos de número e qualidade de bandas de rock progressivo, esses eram os italianos.

No final dos anos 60 a Itália ainda não tinha tradição dentro do rock em geral. O clima político no país era pesado, já que a influência da ala esquerdista nos assuntos internos estava se tornando muito grande. Alguns grupos extremistas foram responsáveis por uma série de violentos ataques e desordem, em um período que ficou conhecido como “Anni di Piombo”, ou Anos de Chumbo. Essa turbulência política teve influências nos direcionamentos artísticos de diversas áreas. Os jovens estavam desejando mudanças e esse desejo atingiu dos compositores populares até alguns estudantes de conservatório, para ficarmos apenas na seara musical. O rock foi absorvido à cultura do país e logo se tornou símbolo de protesto do mesmo modo que aconteceu em diversos outros países.

Aqueles que começarem a ouvir o rock progressivo italiano vão perceber logo no início que o estilo é cheio de nuances e peculiaridades e, no fim das contas, que a música desses grupos é o resultado de música clássica tocada como rock, diferente das bandas inglesas, como o Yes, que faziam o contrário, ou seja, tocavam rock à moda da música clássica. Outro modo de dizer é que na Itália foi o rock que influenciou o clássico e não o contrário. Outro ponto característico é o fato da música ter um grande caráter nacional, com elementos barrocos e também uma enorme influência das óperas.

Na primeira audição o ouvinte não acostumado notará imediatamente outra peculiaridade, o idioma italiano. Sempre quando apresento alguma banda de RPI para alguém, a questão da língua é a primeira a ser comentada. Todos os fãs de rock estão habituados ao inglês e muitos não escutam música em outras línguas. Comparações como “não há samba em alemão ou japonês, do mesmo modo que rock tem que ser em inglês” são muito comuns. Para aqueles mais bitolados, talvez esta seja a maior barreira a ser vencida para se tornar um ouvinte do prog italiano, mas um pouquinho de cabeça aberta vai ajudar a vencer todos esses obstáculos.

Este texto é endereçado para aqueles que ainda não são familiarizados com o gênero. A ideia é ajudar o interessado a conhecer e saber por onde iniciar. E nada melhor do que começar pelas bandas mais importantes. Afinal, elas são importantes acima de tudo pela sua qualidade musical. Dentre os inúmeros grupos desse país existem três que podem ser chamadas de “a santíssima trindade do rock progressivo italiano”, do mesmo jeito que o Deep Purple, o Led Zeppelin e Black Sabbath são frequentemente conhecidas como a “santíssima trindade do rock”. Essas bandas são: Premiata Forneria Marconi, Banco Del Mutuo Soccorso e Le Orme.

Nesta primeira oportunidade para falar a respeito do assunto, listarei cinco álbuns dessas três grandes bandas que serão um ótimo cartão de visitas para essa vertente musical tão importante. No futuro poderemos enveredar por outros caminhos, outras bandas menos conhecidas, porém também importantes, além daquelas mais obscuras que fazem a cabeça de todo entusiasta. Não posso deixar de falar que a intenção não é listar os cinco melhores discos do estilo e sim bons álbuns para iniciar-se, conhecer as bandas e certamente começar a se aprofundar. Espero que essas dicas sejam aceitas por muitos e já aviso, esse é um caminho sem volta, uma vez fã não há como deixar de sê-lo.


Premiata Forneria Marconi – Storia de Um Minuto [1972]

Esse foi o primeiro álbum que escutei de RPI. Foi um enorme choque para mim apesar de na época eu já ouvir muito rock progressivo, mas estava acostumado com os discos dos medalhões britânicos. A sonoridade, o som focado mais nas melodias do que em riffs, os silêncios no meio da música e principalmente a voz foi o que me chamou a atenção. Mesmo estranhando, em um primeiro momento é impossível não reconhecer a boa música feita pela banda. “Impressione di Settembre” é talvez a música que define o progressivo italiano com suas viagens de mellotron. “Dove...Quando... (Parte 1)” é mais leve e calma enquanto “Dove...Quando...(Parte 2)” é totalmente jazzística da mesma forma que "Grazie Davvero", que é a música mais difícil de se ouvir num primeiro momento. “É Festa” lembra um pouco “Hocus Pocus” dos holandeses do Focus. E para quem gosta de King Crimson e Genesis do início de suas carreiras vai gostar de “La Carrozza Di Hans". Excelente disco para começar a jornada no RPI.


Le Orme – Felona e Sorona [1973]

Álbum conceitual sobre dois planetas gêmeos Felona e Sorona que ficam nos extremos do cosmos para manter o equilíbrio do universo. Viagem? Pode ser, mas a viagem musical que ajuda a contar essa história é o que vale a pena. O trio é baseado nos teclados fazendo as comparações com o ELP um tanto óbvias. Até a presença das guitarras é utilizada em poucas passagens, assim como nos discos dos ingleses. O final do disco tem um gran finale maravilhoso. Talvez o som do disco pudesse ser um pouco melhor. Às vezes parece que ele é magrinho, mas é perceptível que trata-se nada mais do que falta de uma gravação, uma produção ou até de um estúdio melhores. Mas isso não atrapalha a audição dessa que é uma das obras primas do RPI. Esse disco foi também regravado em uma versão em inglês (Felona and Sorona) e o responsável pela tradução e adaptação foi nada menos que Peter Hammil do Van der Graaf Generator, que na época era tratado como messias na Itália. Porém, se você puder escolher, ouça na língua original. A versão em inglês não ficou tão boa quanto a italiana.


Banco Del Mutuo Soccorso – Darwin [1972]

Já li um crítico falar que encontra nesse álbum a melhor mistura entre a complexidade e beleza musical. Dentre as três bandas citadas aqui, essa é a que menos gosto, e para ser sincero é a que menos conheço também. Por outro lado, considero esse disco o melhor já feito no estilo. Eu falei que “Impressione di Settembre” do PFM define o estilo, mas “L’Evoluzione” é provavelmente a melhor música feita por uma banda italiana entre todos os estilos. Quase 14 minutos de teclados maravilhosos, guitarras delirantes e a voz fantástica de Francesco DiGiacomo. Falando dos teclados, podemos identificar um pouco de Emerson Lake and Palmer em algumas passagens, mas a originalidade da banda é notável, estão longe de ser meras cópias. Escutem “750.000 Anni Fa....L’Amore” e “Miserere Allá Storia” e se deliciem com a dramaticidade da voz e percebam porque eu disse no início do texto que as bandas italianas têm influencia de ópera. Disco fantástico, mas se alguém se interessou e nunca ouviu o RPI sugiro começar por algum dos discos do PFM e aí sim ouvir esse.


Premiata Forneria Marconi – Per Un Amico [1972]

Esse disco, junto ao Storia Di Un Minuto e L’Isolda Di Niente são os preferidos dos fãs do Premiata Forneria Marconi. Possui uma variação que vai dos violões acústicos e guitarras limpas a passagens pesadas de mellotron, isso sem esquecer das flautas, pianos, violinos e outros instrumentos. Aliás, é uma característica de várias bandas no RPI o fato de seus integrantes serem multiinstrumentistas. Foi lançado no mesmo ano que Storia Di Un Minuto e é mais complexo que este primeiro. “Apenna Un Po” tem influências claras de Emerson Lake and Palmer e Gentle Giant enquanto “Il Banchetto” assemelha-se muito aos trabalhos de voz de Crosby, Stills, Nash and Young. Um ano depois eles regravaram algumas músicas desse álbum juntamente com algumas do primeiro para o álbum Photos of Ghosts, cuja tradução foi feita por Peter Sinfield, que na época era letrista do King Crimson. Porém, não se trata de apenas uma simples tradução, mas de praticamente uma nova criação, matando o espírito das músicas segundo alguns. Na audição dessas músicas em inglês chama a atenção o sotaque carregado na interpretação dos italianos.


Le Orme – Elementi [2001]

Depois de muitos anos parados, a banda voltou em 1996 com um disco fraco chamado Il Fiume, mas em 2001 eles gravaram um disco que certamente faz jus ao material lançado nos anos 70. Porém, eles não se copiaram ou tentaram manter uma fórmula. Fizeram um disco moderno, com efeitos modernos, mas com o clima dos melhores discos do RPI setentista. Elementi fala dos quatro elementos: água, fogo, terra e ar. As 14 músicas do álbum são divididas em quatro partes, cada uma delas falando de um desses elementos. Cada parte possui uma identidade, mas quando você ouve o disco todo percebe que ele tem uma unidade incrível. Algumas melodias são repetidas em várias músicas apenas com variação do tempo ou ritmo, expediente muito utilizado no progressivo em geral, principalmente em álbuns conceituais. O resultado dessa unidade entre as músicas é certamente proposital, afinal temos que levar em consideração que o disco fala sobre os quatro elementos que, segundo os pesquisadores antigos, eram a base de todas as outras coisas da terra. Então a unidade entre os elementos, e no caso as músicas, deveria ser esperada. Resumindo, é o melhor disco de RPI lançado depois de 1979.